22 de fev. de 2010

Tita


Nosso entrevistado é mais uma estrela na constelação de craques da década de 1980, que diante do sucesso efêmero de craques de um drible ou um gol da atualidade deixam saudades. Após uma longa carreira de 30 anos dentro das quatro linhas, agora experimenta a dura carreira de treinador de futebol. Jogador de formação intelectual e religiosa que foge das características comuns aos demais profissionais da área (Tita é mórmon), possui um caráter forte que lhe foi importante quando se sentiu desvalorizado e soube se impor ao clube de coração. Seguiu adiante sua vitoriosa carreira, levantando taças seja no rival da cruz de malta ou no distante Comunicaciones da Quatemala. Nascido como Milton, conhecido e consagrado como Tita.


DEPOIMENTO:

Um dos conceitos mais consagrados do futebol moderno é a polivalência. Os treinadores emergentes, principalmente no Brasil, costumam defender a tese de que quão mais versátil for um jogador, mais útil será pra sua equipe. Atualmente é comum ver um atleta que atue com regularidade semelhante em duas ou três posições. Todavia, nem sempre foi assim. No auge do futebol romântico, 8 era 8, 10 era 10, 2 era 2, e um não se metia na seara do outro. E foi justamente no Flamengo mais vitorioso de todos os tempos que Tita contrariou tal conceito. Meia de origem, deslocado para a ponta-direita por necessidade coletiva Milton Queiróz da Paixão já mostrava, no início da década de 80, que possuía uma inteligência táica diferenciada, que creio ser de muita valia para o seu trabalho como treinador. Aguerrido, porém leal. Talentoso sem ser debochado. Eficiente, decisivo, vencedor. Em momentos distintos, conseguiu ser ídolo de duas torcidas desportivamente antagônicas. Se foi com a camisa rubro-negra que conquistou seus títulos mais expressivos, por ouro lado foi com a cruz-de-malta que marcou o gol mais nobre de sua carreira, o de 87, justamente sobre o clube que o projetou. No contato com a opinião pública, sincero, objetivo, aproximador, e certas vezes até polêmico. Este é Tita, um nome tão simples de definir tanto quanto de escrever ou pronunciar.
Rafael Marques - repórter do Sistema Globo de Rádio

PARTIDA INESQUECÍVEL

Um jogo inesquecível para mim do Tita foi pouco comentado : Flamengo 6 x 2 Palmeiras no Marcanã, pelo Campeonato Brasileiro de 1980 ( 13 de abril ). O Flamengo vingou a goleada sofrida em 1979 quando perdeu de 4 a 1 no mesmo Maracanã. Nesse jogo de 1980 Tita e Zico foram os melhores em campo. Tita, além de fazer dois gols, participou de mais um ( o do Zico de pênalti ) fazendo uma linda tabela com o Galinho de Quintino. Essa partida foi inesquecível pela goleada e por um gesto simples do Tita após o seu segundo gol ( o quinto do Flamengo ) : ele comemorou e parou no meio de campo dando adeus para a torcida do Palmeiras. A desforra da goleada do Palmeiras foi aplicada. Os outros gols foram de Zico ( dois ), Toninho e Nunes. Cerca de 70000 pessoas estava presentes nesse jogo.



Os times jogaram da seguinte forma :

FLAMENGO: Raul, Toninho, Rondinelli, Marinho e Júnior: Carpegiani, Andrade e Zico (Reinaldo): Tita, Nunes e Júlio César (Adílio). Técnico: Cláudio Coutinho
PALMEIRAS: Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozi e Pedrinho: Pires, Jorginho (Carlos Alberto) e Wilson (Mococa);Lúcio, César e Baroninho. Técnico: Osvaldo Brandão
Rui Alves Gomes de Sá

ENTREVISTA:

1) Primeiro qual a origem de seu apelido?
“Meu nome é igual ao do meu pai: Milton. Tita vem desde criança, dado pela minha mãe. Pegou na rua e hoje sou mais conhecido pelo apelido que pelo meu nome”

2) O início de sua carreira foi nas divisões de base do Flamengo. Como foi a transição para o time profissional em 1977?
“Cheguei ao Flamengo por acaso. Fui comprar material do time (meião e short) e na loja estava o diretor do dente – de – leite. Ele perguntou qual era meu time (acho que ficou claro quando o vendedor trouxe o short e o meião) e depois me convidou para treinar no clube, isto em 1970. Em 1977 cheguei ao profissional depois de passar por todas as categorias de base.”

3) Como você encarou, na época, aquele pênalti perdido na final do Campeonato Estadual contra o Vasco em 1977?
“Na minha cabeça aos 18 anos foi complicado, mas hoje vejo como um fator de crescimento. Passei por cima e o grupo me ajudou muito! Ali foi uma ótima vivência profissional. O (Cláudio) Coutinho perguntou quem queria bater o pênalti e vários jogadores experientes recusaram. Como eu era o batedor desde os juniores fui com muita confiança. Existiram jornalistas que disseram que minha carreira estava acabada, e mal ela tinha começado. Para o Zico aquela foi à origem daquele grupo vencedor, todo o grupo cresceu e aprendeu com aquela situação.”

4) A sua adaptação a ponta – esquerda foi fácil. Sua preferência era o meio-campo e em alguns momentos você se recusou jogar na ponta, desejando o meio. Qual era a sua visão na época?
“Eu aprendi a jogar em várias posições desde o dente de leite. Na época, eu jogava com os caras de 14 anos enquanto eu tinha 11 e era franzino. Meu pai conseguia ver que aquilo era bom para mim e já no dente de leite consegui ser titular na... ponta direita! Isto me deu conhecimento em várias posições para além da ponta. Na época, o clube queria pagar menos para mim, a “prata da casa” não era tão valorizada assim. Muitas vezes contratavam um jogador de fora para disputar posição comigo ganhando mais do que eu. Por exemplo, o Reinaldo veio do América ganhando três vezes mais do que eu e acabou no banco. Minha resistência vem do fato do coringa não ser valorizado na hora do pagamento dos salários”

5) Como foi sua transferência para o Grêmio?
“O Flamengo me pagava cerca de mil cruzeiros. Enquanto isso outros clubes me ofereciam bem mais. Como meu passe estava preso ao Flamengo pedia para o clube me liberar ao menos por empréstimo e isso não acontecia. Isso foi desgastando a minha relação com o clube. Até que o Grêmio me ofereceu por um ano de contrato três vezes e meia o valor que o Flamengo me pagava. Aí sim a diretoria me liberou por empréstimo”

6) Você conquista a Libertadores pelo Grêmio e retorna ao Flamengo, não participando do Mundial. Como foi que isto ocorreu? Qual foi a sua reação?
“O empréstimo terminava no dia 8 de dezembro. A final do mundial era dia 12. Hoje, eu ‘forçaria a barra’ para ser prorrogado o empréstimo. Seria bicampeão mundial. Estava bem no Grêmio, o time era muito bom, eu jogava na minha posição e ganhava mais!”

7) Qual o “peso” de substituir o Zico com a camisa dez após sua transferência para a Itália?
“Substituir o Zico para mim era algo natural. Naquela final de 1977 eu estava justamente substituindo o galinho. Não sentia uma grande responsabilidade não! Quando ele voltou da Hominize eu fui para o Inter e depois...”

8) Você se transfere para o Vasco. Aí tem aquela declaração sua dizendo que era vascaíno. Qual a sensação de fazer o gol no Flamengo na final do Estadual?
“Eu aprendi a gostar do Vasco e fui mal interpretado com relação à declaração. Hoje sou profissional. Em qualquer lugar que eu vou me perguntam isso. Por exemplo, acabei de sair da concessionária e me fizeram justamente esta pergunta. Ela me persegue!”

9) Qual a sensação de fazer o gol no Flamengo na final do Estadual?
“Aquele gol foi numa final. O jogador se prepara para jogar uma final então vibrei bastante sim! Foi normal jogar contra o Flamengo, mas gol numa final é sempre muito importante.”

10) Como foi a sua experiência no Beyer Leverkussen?
“Na Alemanha a adaptação foi muito difícil. Eu cheguei à Europa com 29 anos. Convivendo com uma situação que os latinos tinham dificuldade de se adaptar com a língua, comida e cultura do local. Mas venci a Copa da Uefa! Depois fui para o Pescara por dois anos. Foi uma boa passagem também, apesar dos dois times serem pequenos.”

11) E a sua participação na Copa de 1990?
“Volto para o Vasco depois da Itália em 1989, Vou a Copa do Mundo em 1990, mas você sabe como é aqui no Brasil. Não ganha a Copa fica tudo muito ruim. Isto foi o que aconteceu com aquela seleção. Acho também que a questão econômica influenciou bastante no desempenho do time.”

12) No final de sua carreira você foi para o futebol mexicano em uma passagem artilheira, com 109 gols pelos dois times (León e Puebla). Fale um pouco sobre este período entre México e Quatemala.
“No México eu cheguei num time que tinha um histórico importante na década de 1940, mas não ganhava nada desde então. O Clube Deportivo León tinha acabado de subir para a primeira divisão. No meu segundo ano lá fomos campeões. Com relação a Guatemala, eu não queria ir para lá não, mas minha mulher pediu achando que seria uma boa experiência e eu fui jogar no Comunicaciones. O país vivia um período muito difícil, com muitos sequestros e instabilidade política. Eu quase não saia do hotel temendo um sequestro, que era muito comum naquela época. Não foi fácil não!”

13) E quando a carreira acaba?
“Eu tinha certeza que queria continuar trabalhando com o futebol, mas não sabia o que fazer. Levei minha família para os Estados Unidos (Utha) para aprender inglês e me aprofundar na minha religião que é forte por lá. Depois fui convidado pela Televisa mexicana para comentar a Copa de 1998. Fiz um ótimo trabalho, mas não era aquilo que eu queria. Pensei em ser empresário, mas nem comecei – tinha que enganar muita gente, não dá não! Então fiz um curso de treinador no Brasil (na ABTF), no sindicato dos treinadores do rio de Janeiro e outro na Itália que me autoriza a treinar um time da segunda divisão daquele país.”

14) Como foi o início da carreira de treinador?
“Fiz um estágio com o Antônio Lopes no Vasco e fui muito bem recebido por lá. Fiquei como observador e trazia o relatório para o Lopes. Quando chegou o Abel fui para o cargo de auxiliar. Então fui emprestado ao Americano e treinei o time de lá. Fiquei em 5° lugar no Campeonato Carioca de 2000, assumindo o Vasco na final depois da queda do Abel.O importante é que neste momento eu tive minha segunda realização profissional.”

15) Fale um pouco do seu retorno ao Vasco? O grupo realmente estava dividido. Você acha que o clima político influenciou nos resultados em campo?
“Ser treinador do Vasco é um convite que você não pode recusar. O Vasco estava numa situação delicada. Eu tinha que tirar o time da segunda divisão. Quando eu comecei a trabalhar eu vi que o time não tinha condições de sair. Quando eu vi que não tinha mais o que fazer, eu pedi demissão. Como a imprensa estava especulando muito sobre a minha saída, eu dei uma entrevista realmente muito forte!”

16) Qual a mensagem gostaria de deixar para os jovens?
“Eu sempre lutei pelo que eu gostava de fazer: o futebol. Eu tive muitas barreiras (como o pênalti perdido) e superei todas elas. Eu lutei e fui feliz! Tenho 27 títulos, com honestidade, trabalho, disciplina e superação. Para se destacar, em qualquer área da vida. E fui o TITA! Só isso!”