11 de nov. de 2010

LUIS ROBERTO



DEPOIMENTO:

Quando LUIS ROBERTO DE MÚCIO aparece no vídeo, está no ar uma síntese daquilo que todo narrador esportivo deveria ser. A imagem cativante que retrata sua realidade como a grande pessoa que é, a transmissão na medida do que realmente acontece no jogo e o oferecimento compulsivo de uma riqueza de detalhes em cima do que está sendo exibido na tela. É a “escola” Luis Roberto, introduzida por este profissional que se prepara para cada evento como se fosse para a guerra, e felizmente adotada e bastante copiada pelos que estão no começo ou na metade do caminho. Este estilo que ele criou e que inundou a televisão brasileira, vem do seu começo como locutor esportivo no rádio, meio que provoca a necessidade de ser som e imagem ao mesmo tempo. Estilo para entrar para a eternidade da comunicação falada.
Edson Mauro

ENTREVISTA:

Rui: Como é que você começou na área de comunicação e como foi o encaminhamento para a área do esporte?

Luiz Roberto: Foi tudo de uma vez. Eu comecei porque no segundo grau – no meu tempo era colegial, eu nem sei como é hoje, era o primeiro colegial – a gente tinha um comportamento meio revolucionário pra época e tal, achava tudo errado. Enfim, a gente, quer dizer, um grupo de amigos, resolveu participar da eleição do Centro Acadêmico. Nas Faculdades, eram Diretórios Acadêmicos, nos Ensinos Médios, eram Centros Acadêmicos.

Rui: Aqui no Rio mesmo?

Luiz Roberto: Não, no interior de São Paulo. Então, eu fui candidato a presidente do Centro Acadêmico na escola em que eu fazia o ensino médio e a gente ganhou. O nosso grupo ganhou a eleição e, depois de uns dias, a gente tomou conhecimento de que o Centro Acadêmico publicava um jornal que se chamava “Sacívico” já que o símbolo da escola era um saci. A primeira edição deste jornal, depois que a gente ganhou a eleição, foi exatamente na semana que antecedeu aos Jogos Regionais. Em São Paulo, há os Jogos Abertos do Interior e, antes, os Jogos Regionais. E, naquela altura, eles eram eliminatórios. Eram classificatórios para os Jogos Abertos, ou seja, uma espécie de eliminatória para a Copa do Mundo. Nos Jogos Abertos, no Interior de São Paulo, as Olimpíadas Paulistas, que a gente chama lá, eles eram muito fortes. E aí, a escola ia representar a cidade em três modalidades coletivas e eu resolvi escrever sobre as modalidades que a escola ia representar: handebol, voleibol feminino e basquete. E fiz um texto para apresentar, dizendo das condições das equipes da escola e tal. Então foram duas descobertas simultâneas. Eu sempre fui apaixonado por esporte, por futebol especialmente, e nesse caso, pela comunicação. O cara da cidade, que publicava um jornal, achou legal e me chamou pra fazer uma coluna sobre os Jogos Regionais da cidade. Eu meio que repeti a coluna que era uma espécie de apresentação só que mais abrangente do ponto de vista do que a cidade podia fazer, porque os Jogos Abertos são de cidade contra cidade. Depois, teve um cara que leu aquilo, que trabalhava na rádio da cidade e tinha um programa aos sábados, chamado “Esporte Amador é Notícia”. Porque eu falei de vôlei, basquete, ele me chamou para participar lá aos sábados. E aí, começou esta estória de jornal e rádio. E foi mais ou menos assim o início.

Rui: E como foi a entrada na Globo?

Luiz Roberto: A entrada na Globo começou muito lá atrás. Depois disso tudo que eu te contei, eu passei a trabalhar em rádio e fui dono de jornal, lá em São João da Boa Vista, jornal chamado “Sopção”. Tinha um sócio, majoritário por sinal, e depois a gente vendeu o jornal para um escritor da Rede Globo chamado Walter Negrão, que foi morar em Águas da Prata pertinho de São João da Boa Vista e quis ter um jornal lá e a gente vendeu pra ele. Naquele tempo, ainda era “linotipo”, já ouviu falar?

Rui: Não, nunca.

Luiz Roberto: Linotipos eram as máquinas que prensavam os jornais, davam um trabalho desgraçado. E o jornal saía duas vezes por semana, dava trabalho. Mas era prazeroso. Eu comecei a fazer rádio. Eu fui fazer um programa na hora do almoço, já nessa época de geral, um programa de música. Não existia FM naquele tempo, era tudo AM. As FM’s serviam ...

Rui: Como Música Clássica. Dessa época eu me lembro bem disso.

Luiz Roberto: E como links. Às vezes você usava FM para transmitir o sinal para o transmissor, depois veio o micro link e etc. Então eu comecei a fazer e parei na reportagem de esportes. Em São João da Boa Vista, naquele tempo, nós tínhamos dois times profissionais, em séries diferentes, divisões de acesso dos dois times. Comecei a fazer até que um dia o narrador sumiu, o cara virou gerente de banco. Me enganaram, me botaram pra narrar! Comecei a narrar e aí, fui pra Rádio Cultura de Santos, Rádio Gazeta de São Paulo, Rádio Record de São Paulo, depois Rádio Globo. E, nesse meio, sempre fazendo uma coisa ou outra de televisão. Manchete, Bandeirantes...

Rui: Que é um estilo totalmente diferente, não?

Luiz Roberto: Totalmente.

Rui: A gente vê isso. No rádio, é como se a gente tivesse que fazer aquela pessoa que está em casa imaginar o que está acontecendo. Você coloca até muito mais dramaticidade, não é? E emoção?

Luiz Roberto: Não sei se é emoção. Você cria a imagem. Tenta criar a imagem. E o rádio tem o hábito de preencher todos aqueles espaços, então você fala muito mais. É outro veículo, completamente diferente. E aí em 97, eu trabalhava na Espn Brasil e na Rádio Globo, e recebi um convite para trabalhar na TV Globo. E não era bem a minha vontade assim de trabalhar em televisão.

Rui: Você morava em São Paulo?

Luiz Roberto: Morava em São Paulo. E este convite era para eu morar no Rio. Aí eu topei. E vim morar no Rio. No começo de 98 deixei o rádio, passei a fazer só televisão, o que foi decisivo. Quem faz os dois veículos mistura muito e aí a televisão perde muito, porque a televisão muito falada enche o saco das pessoas, ninguém aguenta. Aí, comecei a minha carreira na Globo, na TV Globo, porque já eram onze anos de Rádio Globo. Quando eu fui pra Rádio Globo de São Paulo não era ainda Sistema Globo de Rádio, era tudo da Rede Globo.

Rui: Todo mundo tem uma paixão, mas quando você entra na sua profissão você tem que ser isento, quando você começou você tinha uma paixão maior por que time?

Luiz Roberto: Guarani de Campinas. O Guarani fez um time espetacular entre 76 e 78 e eu morava... A minha cidade é pertinho, a gente começou a ir aos jogos...

Rui: Mendonça...

Luiz Roberto: Não, o time anterior a este. Eu estou falando do time do Capitão, Renato, Careca, Zabumba, Ozo... Time campeão brasileiro. Tacou três no Vasco no Maracanã, três no Inter em Porto Alegre, foi passando atropelando todo mundo. E o time de 82, o time do Jorge Mendonça foi eliminado pelo Flamengo campeão mundial nas quartas do Brasileiro. Se não era o Flamengo, o Guarani ia ser campeão do mundo.

Rui: E como é que foi narrar uma Escola de samba? Como é que foi pra você este desafio?

Luiz Roberto: Qualquer cobertura que você vá fazer, seja na sua área, no caso esporte ou não, nós somos jornalistas; então a gente se prepara para aquilo. Claro que no caso do carnaval, eu soube meio em cima da hora, eu tive um mês para mergulhar na vida do samba, é muito pouco. Todos nós meio que acompanhamos de uma forma periférica, o que acontece com o carnaval, especialmente no caso do Rio, pelo encanto das Escolas e tal, mas o certo mesmo é você acompanhar o cotidiano. Mas aí foi super divertido, eu fiquei um mês ali, tipo quinze horas por dia, na cidade do samba, o que facilita muito a vida do jornalista porque está todo mundo concentrado num lugar só. Você imagina se fosse pra fazer como antigamente, que as Escolas ficavam em suas quadras, provavelmente você teria que fazer uma Escola, duas no máximo por dia?! E ali eu ficava o dia inteiro. Eu ia logo cedo para a Cidade do Samba e ficava até a hora do início dos ensaios à noite, porque as pessoas que vão desfilar ensaiam na Escola de Samba de noite porque todo mundo trabalha. Então foi um mergulho mesmo de maluco.

Rui: Gostou de fazer?

Luiz Roberto: Muito, muito. E só de conversa com carnavalesco, Nossa Senhora! Os caras não aguentam me ver durante uns seis meses, porque eles têm a alma do negócio com eles.

Rui: Nós temos um professor de História que também é carnavalesco.

Luiz Roberto: Eles são os artistas. Eles têm exatamente a concepção de tudo aquilo na cabeça. O que na verdade, pro caso da transmissão, é o mais importante, porque é o que as pessoas vão ver tudo. É ali que você decifra o que o cara vai botar na avenida e os porquês. Eu, como telespectador, o que me aflige assistindo o carnaval? Eu gostaria de entender o que eu estou vendo. Então, aquilo é um mergulho histórico no enredo. Qual é o papel de quem está fazendo a transmissão da televisão? É tentar decifrar a viagem do carnavalesco, na alegoria, na fantasia, nos adereços e transformar isso em palavras, poucas de preferência, para não encher o saco do cara que está do outro lado. Situar aquilo historicamente, porque não adianta nada você dizer: ”Isto aí está mostrando a Carlota Joaquina”, mas ta bom e quem foi a Carlota Joaquina? As pessoas não são obrigadas a saber. Então você tem o lado didático, no sentido de situar mesmo, não no sentido de querer saber mais do que ninguém, de pesquisa mesmo, então é mais ou menos por aí. A Beija-Flor este ano, por exemplo, fez os cinquenta anos de Brasília, claro que é uma liberdade poética do carnaval, então a comissão de carnaval da Beija-Flor, tentou encontrar relações com motivos que fossem interessantes do ponto de vista carnavalesco. E, descobriram lá uma cidade que aconteceu mais ou menos como Brasília. Foi construída, Akhenaton no Egito, mais ou menos no mesmo período de duração, nas mesmas concepções, porque tudo o que envolve o Egito é bonito de ser mostrado. Ou então, a lenda mesmo do Paranoá. Dizem que as águas do Paranoá vieram das lágrimas de Jaci, que era uma índia. Então, isso é muito legal, isso é uma lenda, enfim. Então, o cara tá em casa, tu tá falando de Brasília, de repente tem uma índia pelada enorme chorando na avenida, por quê? Qual foi a viagem do cara? É mais ou menos isso aí. É estudo mesmo, é preparação. Não tem por onde. É pesquisa, sim.

Rui: Porque você saiu da Edição da Rede SporTV? Foi em termos de promoção, por outra área...? Porque o programa era muito bem apresentado, não é por você estar aqui. Mas houve alguma mudança, teve alguma razão especial?

Luiz Roberto: Sim, teve, teve uma razão (digamos, assim, prática) porque Globo e SporTV são a mesma coisa, né. O Redação foi um projeto super legal, um desafio prazeroso...

Rui: È, você começou um projeto totalmente inovador, com Jornais de todo o Brasil, algo totalmente diferente.

Luiz Roberto: Sim, diferente. A gente foi buscar inspiração, em alguns programas americanos e tal, puxa! Foi muito gostoso porque o início do programa teve algumas figuras assim comigo “super legais”; o Marcelo Barreto que depois até virou apresentador, que naquele primeiro instante nem era apresentador, era mais chefe de reportagem, o próprio Alex Escobar, o Armando Nogueira, enfim, umas figuras. O Raul Quadros fez parte do início. A gente fez muito piloto, a gente pensou muito o programa e eu fiquei três anos e meio apresentando o programa já vai completar seis anos. Mas então chegou o momento em que a Globo, TV Globo, mudou a grade dela e passou a ter um Globo Esporte só, porque a Globo tem três edições diferentes do Globo Esporte, inteiras, São Paulo, Rio e Minas e os blocos locais. Quando passou a ter uma edição só, o bloco local passou a ser feito dentro do telejornal local, no caso do Rio, RJTV. O Redação, naquele momento em que a gente passou a fazer um bloco local no RJ TV, estava terminando meio-dia e o bloco local no RJ estava entrando meio-dia e dez, meio-dia e quinze em lugares diferentes. Impossível de chegar. Coube a mim esse desafio do bloco local no RJ e aí não dava para apresentar. Havia também um momento de reflexão sobre essa mistura dos narradores da TV Globo nos Programas do SporTV e enfim, ficou meio que uma junção de fatos e acabei tendo que deixar lá a apresentação.

Rui: E quanto à violência nos estádios, como você vê isso?

Luiz Roberto: Eu acho que a violência nos estádios não é do futebol. A violência nos Estádios, hoje em dia, até mais em torno dos estádios, a violência é das cidades brasileiras. Eu acho que não está mais afeito à crônica esportiva discutir a violência que envolve.

Rui: Isso está ligado mais à educação, que acho que é até uma coisa muito positiva, até falei isso para os jovens, como não usar palavrões, quando torcer. Fazer uma campanha como acho até que a Globo faz, você endossa muito isso, como são bonitas as músicas sem agressões, sem palavrões, o que você acha?

Luiz Roberto: Mais até sem linguagem de guerra, não é?

Rui: Isso.

Luiz Roberto: Sim, acho até que qualquer campanha que vise a diminuir o teor de violência seja na fala, seja nos atos, ela é bem-vinda. Mas eu estou convicto hoje em dia de que a violência, com o advento da grande enchente agora, a gente resgatou tantos documentários de 40 e 50 anos e temos tantos sambas maravilhosos da década de 50 que tratam que qualquer chuva enche, qualquer jogo no Maracanã tem arrastão, então esse problema que envolve a violência fora dos estádios, nos Estados Unidos, por exemplo, não tem tido mais briga porque está tudo filmado, o cara vai ser enquadrado. Então, é uma violência relativa à sociedade brasileira, às cidades brasileiras. Lamentavelmente nós somos, ao mesmo tempo, um povo pacífico e um povo violento. Um povo violento até por decorrência de falta de oportunidade, etc, que é uma outra discussão. O dia em que a gente tiver capacidade econômica de empregar todo mundo e tudo mais, e acho que está próximo disso, a gente vai ter uma diminuição. Mas acho que nós criamos guetos em determinadas regiões das nossas grandes cidades, em tornos dos estádios e que são guetos violentos. E essa “bandidagem” se aproveita mesmo disso e assalta e rouba e aí o time de futebol acaba sendo uma manifestação de paixão que envolve todos os setores. Você tem desde o doutor, o desembargador, que tem o time dele, até o marginal, que lamentavelmente é violento e tem o time dele. E, às vezes, revestido de fazer parte de uma facção qualquer de torcida organizada, ele vai lá e pratica a violência, assalta.

Rui: E usa o nome fictício de torcedor.

Luiz Roberto: Usa, usa o nome. Aquele não é torcedor, é um suposto digamos assim cidadão. Em São Paulo tivemos a experiência de acabarmos com as torcidas organizadas, diminuiu a violência dentro dos Estádios, mas não foi por causa do fim das organizadas, foi exatamente pelo aparato de câmeras e tudo mais. Aparato este, capaz de denunciar as pessoas, fez com que a violência dentro dos Estádios diminuísse. É muito difícil. Não é um tema do esporte este, certamente. É um tema que envolve a justiça mesmo, a sociedade brasileira.

Rui: Como é que você vê o Brasil para a Copa de 2014?

Luiz Roberto: Eu acho que o Brasil vai fazer uma excelente Copa, sim. A Copa do Mundo...

Rui: A nossa infraestrutura, como você vê?

Luiz Roberto: A gente vai ter infraestrutura voltada para Copa, nós não vamos resolver o problema das nossas cidades, longe disso. A Copa do Mundo tem um perfil. Por exemplo: a gente vai ter que ter um hospital de referência. No Rio é diferente, por causa do Centro de Imprensa. Mas nas cidades normais, as outras sedes, temos um Hospital de referência, no máximo dois, um número lá de leitos, não é? São Paulo, por exemplo, tem mais leitos que a África do Sul inteira então, se você quisesse faria a Copa só na cidade de São Paulo. Logo o problema é zero pra gente fazer isso. Aí se discute: “Olha, vão roubar!”, mas isso é outra coisa.

Rui: A gente tem que cobrar.

Luiz Roberto: Mas a gente não tem que cobrar só do futebol, a gente tem que cobrar no dia-a-dia. Quantas obras acontecem no dia-a-dia que passam bem distante dos olhos da Imprensa? Da mídia? Inúmeras. E, na verdade, a maior parte do PIB. Então, a infraestrutura, você pega uma cidade qualquer, eu digo no sentido aleatório: Natal, eles vão fazer um Estádio novo, é o Parque das Dunas, e aí você vai ter uma relação de vias ligando a rede hoteleira com os supostos CT’s, se é que a gente pode tratar assim. Na realidade, eles vão utilizar outros campos, o que vai ser bom porque nós temos no Brasil, cidade com alguns estádios, mais de um estádio. Então São Paulo, por exemplo, uma seleção qualquer pode treinar no Pacaembu, com toda a estrutura que o Pacaembu tem à disposição: sala de imprensa, Centro de Imprensa, você não precisa montar, tá pronto. E outros estádios... Na Grande São Paulo, a Arena Barueri simplesmente tem uma infraestrutura espetacular. Então, eu vejo tranquilo. Se vão roubar, é outra discussão. É uma discussão que tem a ver com polícia. Polícia é que vai fiscalizar isso aí, sem contar que a gente vai ter três estádios totalmente privados: o São Paulo, o Atlético Paranaense e o Internacional, que vão fazer os seus estádios com dinheiro próprio. E aí, a questão da infraestrutura que fica. É exatamente essa parte da cidade que está relacionada com a Copa do Mundo, não é a cidade toda que vai estar com a Copa do Mundo. Eu te dou um exemplo. Se você quiser cidades que estão cem por cento em condições de infraestrutura, você tem que fazer Copa do Mundo só na Europa, nos Estados Unidos, e no Japão. Nós não vamos fazer nunca. O futebol é de todo mundo, então o futebol tem que pagar este ônus meu amigo, de sair e ir para lugares que não são totalmente desenvolvidos e ponto. Como vai ser agora na África. Na Alemanha, uma das cidades pequenas, uma cidade de cento e poucos mil habitantes, o estádio que é uma joia, fica no alto de uma colina muito pequena, mas é uma joia. Esse estádio não tinha estrutura para receber tudo, o que aconteceu? Você estacionava o seu carro, ou sua van a 10 km do estádio, dependendo do que você tinha alugado para ir trabalhar, e aí tinha um ônibus da FIFA que levava o jornalista pro estádio. Então, a gente tem que ter um pouco de calma quando debruçar o olhar sobre isso porque dizer: “Ah! Não tem estacionamento”. O estacionamento para a Copa é algo específico para a Copa. Na época da Copa vão usar a UERJ para fazer o estacionamento e isso resolve o problema pra época da Copa. É a mesma coisa com a violência. Os “caras” vão encher a cidade com o exército, polícia e não vai ter violência nesse período. Quando acaba a Copa volta ao normal. Mas isso é assim em qualquer lugar. Fora os países desenvolvidos, que têm uma dinâmica de funcionamento parecida com o dia-a-dia. Nos Estados Unidos, por exemplo, na Copa do Mundo os “caras” não mexeram nos estádios. Eu me lembro que, quando eu cheguei aos Estados Unidos, eu desci em Dallas, que era o local do Centro de Imprensa, alugamos um carro e no meio do caminho, aparece um troço enorme branco, parecia um disco voador. A gente se perguntava o que era e disseram: Isto é o Estádio do Dallas Cowboys coberto. E nós perguntamos: Vai ter jogo da Copa? Responderam: Não, isto aqui não é Copa do Mundo, isto aqui não é pro bico da Copa do Mundo; falou assim mesmo, literalmente. Depois: “Copa do Mundo é um evento menor pra gente aqui. Os caras agora demoliram este estádio para fazer um outro coberto.” Porque é outra realidade econômica, de dinheiro, de tudo. Então, acho que a Copa do Mundo respeita muito esta questão de cada país. Já teve Copa do Mundo na Argentina em 1978, 78 é outro dia, não? A Copa do Mundo, por exemplo, na Itália em 90, a Itália recuperou vários estádios, a Itália não construiu estádios novos e você fez uma Copa do Mundo. Claro, a Itália é um país que está muito a frente do Brasil do ponto de vista de intraestrutura, mas acho que nós vamos fazer o que é bom para o Brasil.

Rui: Uma mensagem final para os nossos alunos e também uma pergunta particular para o Luiz Roberto. Qual foi a partida inesquecível para você, o gol mais emocionante em termos de, não só pelo lado profissional, mas que você tenha se deixado contagiar pela partida? Qual foi?

Luiz Roberto: É difícil, não, não tem não.

Rui: E uma partida mais triste?

Luiz Roberto: Aí não é uma partida, mas a corrida da morte do Ayrton Senna. Aí realmente, é de uma lembrança muito triste.

Rui: Você estava lá?

Luiz Roberto: Sim, eu estava lá.

Rui: Uma mensagem para o jovem, Luiz, para a gente fechar.

Luiz Roberto: É a nossa luta permanente pela cidadania, pela conquista da cidadania mesmo, na construção de um país melhor. Então, acho que este é o nosso desafio, cada um do seu jeito e para aqueles que querem ser jornalistas, que busquem através do estudo mesmo, o conhecimento e que tenham muita lealdade com o cidadão, porque o nosso compromisso é com o cidadão.

Rui: Obrigado! 

29 de ago. de 2010

Jairzinho


DEPOIMENTO:

Quando Paulo Amaral regressou da Itália,onde foi técnico da Juventus, ingressou no Botafogo e viu Jairzinho iniciando sua carreira profissional. Ele,conversando comigo,teve uma frase que eu nunca esquecí: "O Botafogo é abençoado. Acabou o Garrincha e surge o Jairzinho", como que prevendo tudo o que viria a acontecer com o estupendo atacante campeão mundial de 1970. Jairzinho ganhou o apelido de Furacão por seu estilo valente e principalmente pela exuberante técnica destrutiva que possuía. Um furacão que nenhum instituto de metereologia conseguia prever. Simplesmente chegava e devastava. Foi o único jogador que fez gol em todos os jogos de uma Copa do Mundo. O gol marcado no 1x0 sobre a Inglaterra foi o grande momento em que sentí que o Brasil conquistaria o seu terceiro título. Foi,para mim, o relâmpago da grande emoção dentro daquela inesquecível Copa do Mundo.
Luiz Mendes, comentarista da Rádio Globo

PARTIDA INESQUECÍVEL:

Nelson Rodrigues diria que até os mortos se levantaram de seus túmulos para vibrar com o petardo de direita que bateu o lendário Gordon Banks, no sensacional Brasil e Inglaterra daquele mundial. O arqueiro inglês vinha pegando até pensamento, mas não conseguiu segurar o arremate preciso de Jair, depois de uma jogada que começou com Tostão saracoteando na frente de Bobby Moore e continuou com o passe preciso de Pelé para o Furacão. Um golaço, inesquecível para Jairzinho e inesquecível para todos nós, seus fãs.




ENTREVISTA:

Jair Ventura Filho, o Jairzinho, é caso raro. Foi craque de bola e ultrapassou os limites do clube que defendeu – o Botafogo – para se transformar em ídolo de toda a torcida brasileira. Entrou para a história como o Furacão, estraçalhando as defesas adversárias e marcando gols em todas as partidas da Copa do Mundo de 1970. Foi ponta de lança no Botafogo, legítimo camisa dez, e atacante, ponteiro direito, na seleção do tri. Pelo alvinegro participou de prélios lendários; ganhou e perdeu, por exemplo, de seis a zero do Flamengo. Quem viu, garante: poucos conseguiram unir de forma tão precisa velocidade e habilidade com a redonda nos pés.

Rui e Daniel: Como tudo começou?

Jairzinho: Eu fui criado em General Severiano e, por sorte minha, em frente ao campo do Botafogo. Ali, no dia a dia da vida de um garoto de uns 7 ou 8 anos, nós jogávamos futebol na rua, na praça que tem lá, ainda hoje. E, nos finais de semana, a gente pulava o muro para assistir aos jogos do Botafogo e também durante a semana ao próprio treinamento. Aí, quis o destino que no ano de 1961 – quando eu já jogava num time lá em General Severiano – que era o “Estrela Futebol Clube” e nós viemos jogar aqui no Forte do Leme contra um adversário. Neste adversário, estava um dos jogadores do profissional do Botafogo, o Lucas, lateral esquerdo que era reserva do Nilton Santos, e nós jogamos contra este time, nós ganhamos, quando eu fiz dois gols. O Lucas se encantou e me convidou para eu ir fazer um teste na categoria juvenil do Botafogo. Eu aceitei. Lá eu comecei a minha carreira de jogador no ano de 1961 e daí segui.

Rui e Daniel: Você teve contato com o Garrincha?

Jairzinho: Foi um dos melhores prêmios da minha vida. Eu ia junto com os meus colegas assistir aos treinos e aos jogos do Botafogo e o Garrincha era a alegria de todos nós, a minha principalmente, tanto é que eu jogava de ponta direita me espelhando nele, mas jogar igual a ele, nunca. Então, desenvolvemos a categoria Juvenil do Rio de Janeiro e fomos campeões, bicampeões, tricampeões do Juvenil do Rio de Janeiro e este tricampeonato foi em 63, quando eu fui convocado para a Seleção Brasileira desta categoria para disputarmos o Pan Americano em São Paulo. E ganhamos o Pan Americano. Ao retornar do Pan, o treinador do time principal do Botafogo, que era o Zolo Rabelo, pediu ao Paraguai, que era o treinador do juvenil, que enviasse todos aqueles campeões para ele observar se alguém poderia ser útil e eu lembro que, na véspera, o Jornal dos Esportes era o mais popular do Rio de Janeiro em termos de esporte, e estava escrito que no Botafogo o treinador estava preocupado com o “Quarentinha”, que vinha caindo de produção e estava pedindo à diretoria a contratação de um novo centro-avante. Então, eu me apresentei e falei para o Zolo Rabelo que eu jogava também de centro-avante. Ele mandou eu esperar. No primeiro tempo, jogou o time titular, que era nada mais, nada menos que bicampeão do mundo e bicampeão do Rio. Eram Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagalo. No segundo tempo, o Zolo me chamou, tirou o Quarentinha e eu entrei. Imagine eu entrando pra jogar do lado do meu ídolo, cara! Aquilo me encheu de alegria, fica até difícil de expressar a emoção que eu estava vivendo. Foi motivador e entusiasmador, porque já comecei a jogar ao lado do meu ídolo! Treinei, fui feliz, fiz dois gols e dali em diante eu comecei a assumir a titularidade do Botafogo como centro-avante ao lado do Garrincha. É o meu ídolo até hoje e vai ser eternamente.

Rui e Daniel: E sobre os jogos do Flamengo e Botafogo? O primeiro foi em 69. Você estava no jogo em que o Flamengo ganha? O Flamengo era freguês do Botafogo, o Botafogo sempre ganhava e, em Novembro de 69, o Flamengo ganha do Botafogo de 2 a 1. Era o”Jogo do Urubu”, em que alguns garotos aqui do Leme levaram o urubu. Você se lembra deste jogo?

Jairzinho: Um jogo emocionante como sempre, mas desta vez o Flamengo teve uma atuação na altura do nome, do clube, tudo isso e virou o jogo. O Botafogo estava ganhando de 1 a zero e eles viraram pra 2 a 1. Foi uma festa no Rio, uma festa ruim para o Botafogo. O Botafogo não perdia pra o Flamengo e como estava mais ou menos agora, como estava depois em 81, com aquela geração fantástica que o Flamengo criou. E também dali o Flamengo começou a deslanchar. Eu cheguei a ficar 15 jogos de frente jogando contra o Flamengo. Quinze vitórias na frente.

Rui e Daniel: E, em 72, você estava na histórica campanha, vitória do Botafogo de 6 a 0 contra o Flamengo. Você marcou 3 gols...

Jairzinho: É, eu marquei 3 gols, um de letra.

Rui e Daniel: Vocês tinham noção do impacto daquilo naquela época, dos 6 a 0.

Jairzinho: Não, não tinha. Interessante, que eu, como jogador, não conseguia perceber justamente a motivação do torcedor, sentir as emoções de um torcedor na vitória, na derrota. Aquela apreensão que você fica após o jogo, que você sabe que existe isso. As gozações dos adversários.

Rui e Daniel: Você dentro de campo não percebe isso?

Jairzinho: Não, não existe este tipo de comportamento. Eu, pelo menos, procurava sempre fazer a minha parte que era a de jogar com o meu prazer, com o meu amor, e jogar bem para que eu pudesse continuar sempre sendo eleito como o melhor ou recebido como. Agora, neste resultado nosso de 6 a 0, não foi um resultado premeditado, aquilo foi acidente, como também depois em 81, foi acidente. Eu brinco sempre com isso, porque em 72 eu joguei o jogo todo e fiz 3 gols, inclusive o de letra; e em 81 eu entrei e foi a primeira vez que um treinador me barrou, foi o Paulinho de Almeida. “Barrou” que eu digo é: ele me deixou na reserva e eu entrei quando o Flamengo já estava ganhando de 4 a 0. Aí eu brinco com todo mundo que eu só perdi para o Flamengo de 2 a 0 e o pessoal fica aborrecido.

Rui e Daniel: Eu estava pesquisando sobre esse jogo e tem muita coisa. Duas coisas eu queria falar sobre esse jogo. Primeiro, sua declaração depois no vestiário: “Eu só perdi de 2 a 0 e mais, eu ganhei do Flamengo”. Você fez 3 gols no primeiro...

Jairzinho: Sim, eu ganhei, pois quem é que fez três gols no Flamengo, no primeiro?!

Rui e Daniel: O outro problema foi que na véspera do jogo teve um afastamento de dois jogadores.

Jairzinho: Justamente por motivo de..., Paulinho de Almeida criou lá..., jogadores indisciplinados, ele tirou dois, eu não cito o nome dos dois porque o Neto esta aí. Ele tirou os dois justamente no dia do jogo por causa da faxineira. Tirou os dois e isso, de fato deu um desequilíbrio ao grupo, porque dá, né? Este impacto é um impacto negativo. Não é por aí. O Flamengo ganhou porque tinha mérito e era melhor do que o Botafogo nesse momento e quis o destino que devolvesse esse resultado de 6 a 0 pro Flamengo ficar bem. E continua essa polêmica que nós estamos desenvolvendo aqui.

Rui e Daniel: Vamos falar de Seleção: Você chegou muito novo na Seleção, foi em 66.

Jairzinho: Não, eu cheguei em 63 e em 64 eu joguei a Taça das Nações que a Argentina ganhou.

Rui e Daniel: Bem a primeira Copa foi em 66, não?

Jairzinho: Agora sim. A primeira Copa foi em 66 na Inglaterra onde eu tive a minha primeira decepção.

Rui e Daniel: O que você acha que faltou?

Jairzinho: Montaram uma Seleção. Uma série de erros contou para a nossa desclassificação. O primeiro deles, pra mim, foi o excesso de convocação, 44 jogadores. O segundo: jogadores que já não tinham mais condicionamento atlético para jogar esse tipo de competição, que é muito dinâmica, por ser curta. Jogadores que já vinham praticamente de 54. Imagine, não vou também citar o nome deles que não é por aí, mas vocês pesquisando vão ver que é verdade. E nós, eu, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Tostão, nós estávamos com uma renovação pronta pra jogar mesmo em 66. E, outro detalhe é que nós levamos um mês e meio entre preparação e competição. Nesse mês e meio, nós ficamos aqui dentro do Brasil, cada semana nós jogávamos em dois Estados, dentro do Brasil e era um momento especial pra eles. Nós íamos pra nos mostrar e é errado isso. Você tinha que ter uma preparação já estabelecida no local certo pra você se preparar, você conhecer o grupo, o grupo te conhecer e, sucessivamente, o grupo conhecer a tua filosofia tática de jogo, etc. O que de fato culminou com a nossa desclassificação foram esses detalhes que eu estou passando pra vocês. Agora, eu tenho certeza absoluta de que pra mim foi maravilhoso, porque eu repeti da outra vez, olhei e gravei como não se deve preparar para uma Copa do Mundo e aí foi um bom ensinamento para que eu seguisse em busca do meu ideal que era tentar ser campeão do mundo.

Rui e Daniel: Em 69 vocês classificam uma vitória épica contra o Paraguai, o maior público da história do Maracanã. Vocês estavam com um treinador que era o João Saldanha e, no início de 70, na véspera da Copa do Mundo, ele é demitido. Como o grupo reagiu à demissão do João Saldanha?

Jairzinho: Uma tristeza total, mas você tem que entender que o seu objetivo tem que ser alcançado, que é jogar na Seleção Brasileira. Hoje, tem alguns jogadores, que se recusam a jogar porque outros parâmetros dão a ele essa condição de recusar, Na minha época, você, para ser um grande jogador, teria que jogar na Seleção Brasileira.

Rui e Daniel: Era a afirmação da sua carreira?

Jairzinho: Sem dúvida. Eu fiquei triste evidentemente porque tivemos uma classificação à altura da qualidade do plantel. O Saldanha caiu por motivo que eu não posso concretizar ou afirmar, mas, dizem os ventos da vida, que foi o Médici que o tirou. Aí houve a mudança. Nós ficamos tristes, Saldanha saiu e entrou o Zagalo, só que o Zagalo veio com uma outra filosofia e nesta outra filosofia que o Zagalo implantou, ele tirou quase 80% do time do Saldanha. E eu faço sempre uma aposta até hoje e ganho. Eu pergunto a todas as pessoas quais foram as onze feras do Saldanha?

Rui e Daniel: Onze feras do Saldanha...

Jairzinho: Justamente. Eram 22, mas ele falava: ”os meus 11 são vocês”, os outros vão esperar, só entrariam por motivo de contusão ou expulsão. Aí, eu ganho porque eu acho que nem vocês dois sabem quem são as 11 feras do Saldanha.

Rui e Daniel: Eu pesquisei: Edu, na ponta esquerda.

Jairzinho: Isso não tem problema. Tem que ser da defesa pra frente. Mas então aí...

Rui e Daniel: O também está nas feras do Saldanha.

Jairzinho: Também está.

Rui e Daniel: Pelé também.

Jairzinho: Também está. Já acertou dois, Pelé também.

Rui e Daniel: Tostão não estava.

Jairzinho: Tostão tava, claro. Eu vou ajudar vocês. Era Jairzinho, Gerson, vou ajudar vocês. Jairzinho no ataque. Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. O goleiro não era o Felix, o quarto zagueiro não era o Piaza, nem o central era o Brito. O lateral esquerdo também não era o Everaldo.

Rui e Daniel: Era o Marco Antônio?

Jairzinho: Errou. Era Rildo.

Rui e Daniel: Então errei mesmo, essa eu não sabia.

Jairzinho: O goleiro era o Cláudio. Eu vou dar isso pra vocês, eu ganho sempre, mas não espalha pra ninguém, não! Deixa eu continuar ganhando essa aposta.

Rui e Daniel: A seleção do Saldanha era Cláudio, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo. Piaza e Gerson.

Jairzinho: Piaza que jogava de cabeça de área.

Rui e Daniel: Isso, Jair, Tostão, Pelé e Edu.

Rui e Daniel: Agora, esta Seleção comprovou que você pode juntar craques em um time. Tinha problema de relacionamento, vaidade?

Jairzinho: Não, isso é que foi o ponto primordial do nosso grupo, nem o Pelé foi estrela. O Pelé respeitou todo mundo e todo mundo respeitou o Pelé, porque o máximo era ele, vocês sabem que ele era o máximo, nosso rei; mas tem um detalhe também: todos esses, principalmente os homens de frente, eram todos estrelas dos seus respectivos clubes. Eu era a estrela do Botafogo, o Gerson era estrela do São Paulo, Tostão do Cruzeiro e Rivelino do Corínthians. Este ponto é importantíssimo. Então, quando nós olhávamos para o Pelé, o Pelé também nos olhava e falava: tu és bom, mas, eu sou bom também. Tinha isso, o respeito. Não houve desencontro grave. Teve um início que foi em Guanaruato, onde nós fomos fazer a última parte da preparação que era a adaptação à altitude, já nos preparando para que, caso nós jogássemos a final, a final seria na capital, a 2400m de altura. Aí, nessa adaptação, o Fontana não se dava bem com o Pelé por causa da rivalidade de Santos e Vasco e, numa recreação que nós estávamos fazendo jogando vôlei, estavam o Edu e o Pelé jogando juntos contra o Baldoque e o Fontana. Então, o Edu fez lá uma jogada mágica e deu certo e ele gozou o Fontana. Fontana ficou louco, né, já que tinha aquela rivalidade e quis partir para cima do Edu. Aí, o Pelé entrou e houve aquela separação, normal; mas não houve mais consequência grave.

Rui e Daniel: Como última pergunta: Como os jogadores da Seleção de 70 viram a exploração da imagem da Seleção por parte do regime militar? Vocês tinham essa consciência ou não?

Jairzinho: Não. Olha, eu vou falar da minha pessoa. Eu nunca me meti em ações particulares como política, principalmente. Eu não tinha nada a ver, porque eu tinha que cuidar de mim esportivamente. Tinha que cuidar da minha saúde. Até porque a própria política, ou essa ditadura como queira dizer, só me fez bem, não me fez mal. Ela me fez bem porque eu não mexi com ela e nem ela mexeu comigo. Ela me deixou me preparar, ela me deixou trabalhar o meu futebol normalmente, sem nenhuma imposição do tipo: você não pode isso, ou não pode aquilo. Eles nunca fizeram uma reunião com a Seleção.


Rui e Daniel: Tinha militar lá, não?

Jairzinho: Diversos. Todos eles eram, mas não se puseram como ditadores ou militares. Melhor dizendo: nenhum deles, porque todos eles que entraram, todos fizeram parte dentro dos quartéis como homens de esporte. Um era do basquete, outro era no vôlei e etc. Cada um numa modalidade. Quando eles vieram todos nós aceitamos, mas não foi como se dissessem “eu vim aqui disciplinar vocês”, nada disso!

Rui e Daniel: Mas foi uma mudança. Vocês sentiram a mudança na preparação física?

Jairzinho: Não, nós já tínhamos o titular que era o Ademildo Chirol. Eles respeitavam o Ademildo Chirol, porque era o homem que tinha maior conhecimento. Todos eles foram auxiliares, todos eles: Coutinho, Parreira... Só auxiliares. Ninguém chegou dizendo: ”eu sou o homem, sai Chirol, sai Zagalo”, nada disso.

Rui e Daniel: Qual a sua partida inesquecível?

Jairzinho: Todas as de 70, todas! Eu fico revendo todas, mas aquela em que mais me emocionei foi contra a Inglaterra: 1 a 0.

Rui e Daniel: Aquela comemoração com o sinal da cruz, em que você se ajoelha? O que foi aquele símbolo?

Jairzinho: Ajoelhei pra dizer a vocês o seguinte: “Eu vim pra 70 como único jogador no mundo a ter feito enxerto ósseo. Eu tive fratura, refratura no quarto e no quinto metatarsiano do pé esquerdo. Eu vim e me curei. Foi em 66. Em 67, fui operado, me curei e voltei a jogar tanto ou melhor. Eu sou católico;.então, o que fiz como uma pessoa que me faz ser o que eu sou até hoje, eu pedi a Ele que me protegesse contra as pancadas. E eu sempre recebia, porque eu era um jogador decisivo. Era um jogador que ia de encontro ao gol, eu não ia para as diagonais, eu não saia para os lados. Então, além da habilidade que eu tinha, eu também tinha explosão e isso provocava muito contato forte. Eu cheguei lá e nada melhor que agradecer ao meu Maior e mostrar ao mundo quanto é bom você amar a Deus, simplesmente isso.

Rui e Daniel: Para fechar: você, que está trabalhando com jovens, gostaria de passar alguma mensagem para eles?

Jairzinho: A mensagem é que os jovens possam ter de fato uma atenção mais especial dentro do nosso país, que pouco têm. Os jovens só são reconhecidos quando eles já estão representando o Brasil. Só aí é que ele passa a ser reconhecido. Na iniciação, lá o que eu faço é justamente plantar a semente para você colher o fruto, quando podemos ver uma irrealidade dentro do Brasil. Por exemplo: eu mesmo hoje faço um trabalho social, educacional, livremente. Não cobro nada. Lá, dentro de um lugar perigoso, mas estou lá, feliz! Tenho lá 200 garotos que acreditam em mim e que buscam o seu lugar, o espaço que tem que ser deles mesmo, que é o lugar de vitória, de ser uma pessoa que busca conviver dentro dessa sociedade. Quer dizer, se alimentando, tendo onde dormir, tendo a possibilidade de estudar e, após o estudo, se formar ou não; mas já tendo uma noção do que é a vida, tendo uma condição de trabalhar. São esses segmentos que faltam aqui no Brasil. O brasileiro, pra mim, padece muito de patriotismo. Falta muito. Nós não agimos como povo patriota mesmo, que busca dar estabilidade a todos, igualdade. Isso não existe no Brasil. É o que eu digo: que essa garotada faça esporte, porque – principalmente para a garotada carente – só o esporte vai poder dar a ela a condição de uma vida melhor, se não não tem jeito. E nós iríamos ter tudo isso que estamos vivenciando aí: a insegurança, a matança, o sofrimento da população.




11 de jul. de 2010

Zico - Segunda Parte


"E agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã"? Moraes Moreira era peladeiro nos tempos dos Novos Baianos. Mas certamente jamais acertou na veia tanto como na frase da música em que pretendeu passar o sentimento do dia em que Zico parou. Legiões e legiões, e não só de rubro-negros sentiram o mesmo. Ver Zico jogar era uma visão. O futebol já havia começado sua transição para o futebol-força da atualidade. E por muito tempo, o maior antídoto contra os céticos que adoravam repetir que o "bom era aquele futebol lá dos anos...", foi Zico. Lançamentos, enfiadas milimétricas de bola entre defesas atônitas, o lance que ninguém pressentiu pensado em dois segundos, arrancadas geniais com a bola deixando um por um dos adversários para trás...Por tudo isso, muita gente ainda se pergunta, tanto tempo depois: "E agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã"?
Lúcio Castro, ESPN

Nesta segunda parte da entrevista com o maior craque da história do Flamengo, inserimos também algumas matérias antigas sobre a vida do Zico. Para ler melhor alguma delas, basta clicar sobre a imagem. Confiram!


1) Na entrevista com Tita, falamos sobre o pênalti que ele perdeu em 1977. E ele acredita que aquele foi o momento em que o time campeão do Flamengo a partir de 1978 amadureceu, cresceu. Você também acredita nisso?

Zico: Foi, também acredito. O Tita entrou justamente para bater aquele pênalti, quer dizer, ele entrou no final da prorrogação justamente para bater o pênalti. Coitado, ele foi o único que perdeu. E era um jovem, era um moleque que estava começando. Quando acabou o jogo, no ônibus, reunimos todos os jogadores, o Coutinho, fomos para aquele restaurante Barril, ali no Arpoador, final de Ipanema. Choveram críticas porque parecia que nós estávamos comemorando. Nós havíamos perdido e ali “fechamos” o nosso pacto de muita solidariedade a ele, ao próprio Tita. E o que aconteceu com a gente em 77? A coisa reverteu! A partir de 78 virou tudo, porque em 78 aconteceu justamente o contrário. Ganhamos do Vasco. Se a gente ganha e o Tita faz aquele gol, nós não seríamos campeões. A gente ganharia o segundo turno para disputar com o Vasco. Então, o Vasco ganhou, ganhou direto. Em 78, aconteceu o contrário.

2) O detalhe mais interessante do gol do Rondinelli é que você não batia escanteio.

Zico: Não, raramente.

3) Chegando a 78. Queríamos falar de um episódio que apareceu um pouco na ESPN, que está reprisando os jogos. Você, de novo, com a camisa da Seleção. Você com a camisa 8. A Seleção teve uma pré-temporada sensacional. O Coutinho colocou o Edinho de lateral esquerda. Tinha um meio de campo muito forte. Tinha você, tinha o Rivelino, tinha o Reinaldo na frente. Aí, o Brasil na COPA de 78 tem aquela fase inicial não muito boa, tem aquele gol seu anulado com a bola batida no escanteio e o time muda, por uma imposição do Heleno Nunes, todo mundo diz isso.

Zico: Foi coincidência, não é?

4) É, foi uma coincidência terrível. Ele (Heleno) chega e fala: “Eu quero o Jorge Mendonça, eu quero o Roberto Dinamite e...”

Zico: E Rodrigues Neto.

5) O Coutinho comentou alguma coisa com você? Porque ele era o técnico do Flamengo também. Como é que foi isso, ser barrado assim, dessa forma? E você sentir que há alguma coisa externa...

Zico: O Coutinho, chamou nós três: eu, Edinho e Reinaldo. Aí explicou uma série de motivos e principalmente para mim e para o Reinaldo. Era o problema do campo, que o campo lá era muito pesado. Para o Edinho, ele explicou que ele tentou uma situação e que não deu certo e que ele agora ia voltar com um verdadeiro lateral e que ia botar o Rodrigues... E disse que já pensava nisso e que o presidente antecipou uma conversa que ele tinha falado para imprensa. Explicou aquelas coisas todas.

Aí tá bom. Fomos sair e eu, por esse relacionamento que eu tinha com ele, voltei e falei: “Coutinho, eu posso conversar com você?” Ele respondeu: “Pode”. Eu falei: “Tudo bem, eu aceito todo este tipo de explicação que você quer dar. Você tem todo o direito, acho que você não tinha nem essa necessidade de dar essa satisfação para nós. Direito seu de escalar quem você quiser. Você pode fazer. Só quero que entenda uma coisa, achando certo ou não achando certo, pode contar comigo. Eu tô aqui, vou continuar trabalhando para recuperar minha posição, vou continuar lá firme. Não é porque você trabalha comigo no Flamengo que você pode ficar assim, de achar que eu vou ficar “p... da vida”, vou fazer alguma coisa. Sou convocado da Seleção para estar bem, e na hora em que você precisar, pode me chamar. A minha palavra serve? Não sou de acordo com nada disso. Minha opinião é a de que não tem nada a ver esse negócio de campo, esse negócio e tal. Aceito as suas explicações, não vou questionar nada. Vou lá treinar para cacete porque a hora que você precisar, eu to aí. Pode contar comigo.”

E assim foi, continuei treinando. Só achei errado dele, na véspera do jogo da Polônia, sabendo que eu ia jogar não me ter avisado. Porque quando “os caras”, que não vão jogar, normalmente treinam mais. E eu, treinava sempre mais depois. Acabava o treino e eu continuava treinando. Treinei a mais, me desgastei a mais, porque a tendência era eu entrar faltando meia hora. Eu treinei mais na véspera. Quando chegou de manhã, o massagista foi lá falar comigo. Massagista, roupeiro, esse pessoal sabe tudo, cara, impressionante. O João Carlos era do Flamengo, ele virou e falou assim: “Se prepara que você vai jogar esse jogo”. Falei assim: “Eu vou jogar?” Então, já foi chato saber isso pelo roupeiro. Quando chegou na hora da preleção, ele me botou para jogar. Eu, com menos de 1 minuto, eu tive uma distensão. Fui cruzar e o cara travou! O músculo da perna estourou todo, além disso machuquei o meu tornozelo... Foi uma entorse do tornozelo.

6) Final do Mundial, em 81. Você ganha o prêmio de melhor em campo, você ganha um Toyota. Você ainda tem esse Toyota?

Zico: Tenho, tá lá em casa. Tá difícil de andar. Naquele ano foram dois prêmios, dois carros. Ganhamos eu e Nunes. A gente já tinha definido que o dinheiro do carro iria ser rateado por todos da Comissão Técnica. A minha ideia era ficar com o carro de lembrança. Além disso, naquela época não se podia trazer carro para o Brasil e, com isso, não tinha sentido ter o carro. Em termos de prêmio, o meu carro custava U$8.000,00 e o do Nunes, custava U$7.000,00. Você vê o valor que era da época. E o nosso do prêmio, do campeonato, foi de U$5.000,00. Então, a gente fez um acordo com a Toyota. Estávamos começando aquela fase de abertura para importação. A Toyota dava os dois carros com a ideia de alguém trazê-lo para cá, porque para ela era importante, né? Um cara andar aqui com um carro importado seria uma propaganda enorme para a Toyota, já que um ano depois as importações iriam abrir. Decidimos levar os dois. Dividi os U$8.000,00 pelos jogadores e o Nunes fez a mesma coisa.

7) E você acha que isso foi muito importante para grupo?

Zico: Foi, lógico.

8) Na medida em que você, como craque, está ali, na divisão.

Zico: É, a gente sabia que a possibilidade de eu ganhar era muito grande, naquele período. Um ia ganhar. Maior probabilidade, principalmente, por causa do nome. A Toyota queria é isso.

9) Claro, o ídolo.

Zico: Botar o ídolo com um Toyota, passeando com o carro. Bastava eu jogar mais ou menos que a possibilidade de eu ganhar era maior que a dos outros.

10) Vamos para o Campeonato Brasileiro de 1983. Neste ano você jogou machucado na final contra o Santos. Que contusão você teve?

Zico: Eu estava com um problema muscular e aí eu segurei um pouco durante os treinos da semana para não agravar. Praticamente, fiz todo o trabalho, mas de maneira leve. Não era uma coisa preocupante, o que me preocupava ali é que eu já estava vendido.

11) Na imprensa, saiu que a sua venda foi feita um mês antes. Procede isso?

Zico: Procede. E, ela só não foi concretizada ali naquele momento porque deu um problema na Itália, mas eu já estava vendido.

12) E quem sabia isso? Eram você e os dirigentes?

Zico: Todos os dirigentes, não. O presidente.

13) Na época era o Antônio Augusto Dunshee de Abranches?

Zico Era o Dunshee.

14) Ele foi execrado e depois renunciou.

Zico: Era eu, ele, o meu procurador, o meu irmão, que pela primeira vez participou disso. O João Batista, meu primo, fez questão de que o meu irmão Antunes, já falecido, participasse. Tivemos um encontro ali, num motel perto do Aeroporto Santos Dumont. Eu já tinha tudo acertado. O pessoal do Udinese acertou tudo comigo. Já estava vendido ali.

15) E o grupo não sabia? Os jogadores não sabiam?

Zico: Os jogadores não tinham conhecimento disso. Ninguém sabia. Neste ponto, o pessoal do Flamengo, se manteve discreto. E isso ocorreu pelo fato de o Flamengo estar decidindo o Campeonato. Por estarmos na decisão, se vaza alguma coisa ali, a situação poderia ser ruim para todo mundo. Ia tirar o foco. Imagina eu, principal jogador, na final, estar vendido.

16) Vamos para o Campeonato de 87. Vimos a sua entrevista no SporTV falando do título de 87, da polêmica e tudo mais e você também estava machucado, não é?

Zico: Não, não. O que eu fiz um esforço maior mesmo. Foi ruim em 1980. Em 80 é que eu me machuquei mesmo. Eu tive uma contratura no segundo jogo contra o Curitiba (semi-final). O início de uma distensão. O médico me disse: “Tua musculatura tá prestes a estourar...”

17) E aí você não sabe quanto você pode "se soltar" em termos de desenvoltura, não é?

Zico: Exatamente. Você fica impedido, porque dá um “bolo” no músculo quando você vai correr ou chutar. Estava treinando e senti esse “bolo”, uma câimbra. Fiz o movimento e, no momento em que eu levantei o pé, já senti. Parei na mesma hora. Não deu nenhum estiramento, nada. Foi só um aviso que eu poderia ter algo no músculo, algo que estava no início. Nós tínhamos um jogo com o Atlético Mineiro, na quarta e domingo, a final. Já cheguei para casa de repouso. Fiquei em casa repousando. Segunda, terça, quarta. Eu nem levantava. Só levantava para fazer “xixi”. Comia deitado, vi o jogo todo deitado. O Flamengo perdeu em Belo Horizonte. Quinta-feira a mesma coisa. Quando chegou na sexta-feira é que eu levantei para ir ao Flamengo. Fui lá, fiz umas voltinhas no campo. No sábado participei um pouco de leve e fui para o jogo muito preocupado, mas correu tudo bem. Estava sem dor nenhuma.
A dor de 83 foi mais, acredito, problema de tensão. Desgaste, aquela coisa... Desgastante para mim, por saber que podia ser o último jogo com o Flamengo por já estar com tudo acertado e por ser a final. A gente tinha perdido de 2 x 1 lá em São Paulo, tinha que ganhar de todo jeito. Se fosse 1 x 0 ia para os pênaltis; 2 x 0, a gente liquidava; então, aquela partida se mostrava complicada.
O de 87 não, o de 87 eu estava machucado. Eu estava com o joelho tendo que operar... Eu tinha que operar. Em um jogo do Brasileiro, no gol que fiz contra o Santa Cruz, o terceiro de falta, fui comemorar e eu tinha sido operado, tinham sido feitos pontos aqui no meu joelho. O que aconteceu? O meu menisco suturou, então, eu não podia saltar. Eu me policiava de tudo que é maneira. Comemorar gol, eu só corria. Não podia apoiar todo o corpo em cima porque a possibilidade de o ponto arrebentar era muito grande. Então, quando eu fiz aquele terceiro gol, a vibração, a emoção por ter sido um lindo gol, fui saltar, abraçar lá o Zé Carlos, que já faleceu, eu caí e a “p...” do joelho doeu. O ponto arrebentou. Eu joguei os dois jogos contra o Atlético MG, depois os dois jogos contra o Internacional com problemas. Acabava o primeiro tempo, o joelho inchava, eu botava gelo, voltava para o segundo tempo, mas não agüentava, aí saía. No dia seguinte do último jogo do Internacional, fui direto lá para o Dr. Neylor Lasmar operar o joelho.


18) Zico, você jogou na Itália e pesquisando toda a sua vida, você teve problema com o fisco, não é? Por que você acha que a imprensa não o divulgou? Esta sua declaração foi muito pouco trabalhada aqui. Só foi trabalhado o lado negativo, ou seja, quando você estava com o problema na Receita Federal?


Zico: Mas isso acontece até hoje. Quando eu fui condenado, a manchete deu no Jornal Nacional. Quando você é absolvido, tem uma linhazinha. Isso é normal de quem dá a notícia. Isso não adianta, a gente é que, quando tem a oportunidade, tem sempre que estar lembrando essas coisas. Hoje, o que está vendendo, principalmente, são as coisas ruins.

Se você tem dez coisas boas, uma é ruim, a ruim é a que tem maior destaque. Eu me lembro na “Gazeta de L’ Sport” quando saiu: “Zico e Galera” deste tamanho! Então, quando eu fui absolvido, saiu uma linha. Aquilo foi muito fácil de resolver, porque o contrato foi até assinado aqui no Brasil, numa data inesquecível porque era 10 de junho, aniversário do meu pai. Quando eu assinei o contrato de imagem eu tinha satisfações a dar ao fisco brasileiro porque a minha imagem era do Brasil, só que o presidente da Udinese acertou na Itália de utilizar um contratinho de publicidade, ele tinha que me alertar. Bastava pedir uma autorização, e a Udinese, que estava enrolada, acabou não pedindo autorização e aí quando fui fechar o meu contrato na Itália vi um parágrafo novo. Eles fizeram uma cláusula dizendo que, para eu poder assinar o contrato de novo, se eu morresse, o contrato estaria rescindido. Então, eu liguei para meu advogado aqui e ele disse: “Não, pode assinar, não tem problema”

Só que aqui, pelas leis, eu já estava como residente na Itália e, como residente na Itália, este contrato prevalecendo, eu tinha que pedir autorização para fazer o contrato de publicidade. E a Udinese me ludibriou nesse ponto. E aí, não adianta. É falta de conhecimento. Aconteceu que os caras foram e disseram: “Tu tá morando aqui, não tem nada nesse contrato e tal”. E eu paguei em Udine. O meu contrato na época, foi de U$ 2.100.000,00 por 3 anos, eu paguei uns U$ 450.000,00, quase U$ 500.000,00 de imposto, para deixar lá. Então, o contrato de publicidade era daqui e eu ainda tinha que pagar lá. E eles tinham razão porque pelo que o cara fez, eu tinha mesmo, pela lei italiana. O presidente viu isso. Eu recebi a intimação após ter ido na casa do presidente da Udinese para ver um negócio do Flamengo. Voltei para casa, andei 2 horas de carro, cheguei em casa, tinha a intimação. Peguei o carro e voltei de novo na casa do presidente. Eu andei 8 horas de carro naquele dia. Eu cheguei em Udine. Quando cheguei, a Sandra: “Tem uma intimação aqui”. Naquela época, não tinha essas comunicações todas. Então, voltei. Peguei o carro e voltei de novo na casa do presidente. Eu andei 8 horas de carro naquele dia. Voltei lá para conversar com ele.

O que me surpreendeu é que quando eu cheguei lá, ele falou assim: “É, eu já sabia que isto podia acontecer” Eu falei: ”Como o senhor já sabia?” Então ele balançou e disse que era porque estava sendo revistado tudo lá na Udinese. Então, eu tinha três dias para constituir um advogado. Como é que eu ia achar algum advogado? Tinham que me sustentar no clube, me dar apoio no clube. Eu não conhecia tanta gente lá. Eu peguei o advogado do clube. O cara era advogado do presidente. E me disse para eu não apresentar o contrato, só se houvesse julgamento. E o procurador, que tava me atacando, quando eu fui lá, disse: “Por que você não me apresentou isto?" Eu falei: “Por que o meu advogado falou...” Ele interrompeu: “Eu já sei, advogado do presidente, ele tá salvando ele e te ferrou”. O cara mesmo que era o procurador e que me atacou de tudo que é maneira. E aí eu tive que ir para julgamento. Fui condenado e peguei outro advogado, de outra cidade e eu levei de 3 a 4 anos para conseguir a absolvição.

19) E trabalhando com isso, desgasta né?

Zico: Isso aí eu tava jogando, mas eu já tinha vindo embora. E o que aconteceu? Tinha a seleção, e os caras não queriam deixar eu sair. Então me ligaram e me convocaram. Eu fui lá na Procuradoria e falei: ”Meu passaporte está aqui, estou convocado para Seleção, eu vou servir o Brasil, e fica a seu critério o senhor me liberar ou não. Não estou fugindo daqui, não tem nada”. Então ele falou: “Tá bom, você pode ir.” Eu disse: “Eu vou até o final para isso, pois não quero de forma alguma sujar o meu nome, o senhor já sabe, tem o meu contrato aí. Vou brigar por isso.”

Bem, o que aconteceu é que um amigo meu que foi lá para casa na sexta-feira, a Sandra já tinha vindo embora, aprontei minhas coisas, era só de roupa mesmo e, ele levou o caminhão lá, ficou na garagem. Segunda-feira, eu fui para Veneza e nunca mais voltei nessa casa. Ainda falei com presidente: ”Ou o senhor me vende para o Flamengo de volta ou então eu vou parar de jogar futebol. O prejuízo vai ser seu”, porque eu nunca mais ia lá mesmo não. Eu vim embora.

20) E sobre a Seleção de 86. O Leandro e o Renato foram cortados e a imprensa dizia que tinha mais jogadores envolvidos, o que a gente quer saber é: como o grupo absolveu aqueles cortes? O grupo apoiou ou não decisão do Telê?

Zico: O cortado foi o Renato, o Leandro foi solidário. A questão da saída, também tinha outros jogadores, mas o problema do corte do Renato não foi em função disso. O Telê brigava muito com o Renato, aquela coisa do jeito dele de ser, de jogar e o Telê pedia e eles discutiam muito dentro de campo. O Telê queria que ele jogasse de uma forma e ele queria jogar de outra. Acho que, pelo que eu conhecia do Telê, por mais que ele não gostasse do que aconteceu nesse episódio, ele sabia que aqueles jogadores que estavam ali, a grande maioria, faziam tudo por ele. Então, eu acho que o corte do Renato foi em função da relação dos dois na parte do campo.


21) Mas então por que o Leandro não percebeu isso?


Zico: Não sei, naquele período foi muito difícil falar com ele. A gente tentou, eu e o Júnior voltamos para pegar ele, na casa dele e ele não quis. Foi desgastante. É o tal negócio, é a minha opinião. Pode ser que o Leandro até hoje ache que foi por causa daquilo.


22) O grupo não viu o Renato como um injustiçado? Ou seja, o grupo não viu o Renato como alguém que tinha um problema com o Telê dentro de campo?


Zico: Eu vi dessa maneira e falei para o próprio Renato, algumas vezes. No dia do problema da fuga da concentração, nós fomos falar com o Telê e tal. O Renato voltou e continuou com o grupo. Não foi ali que ele foi cortado. O Renato foi cortado depois, na relação final da Copa. Quando fomos para Copa, o Renato foi cortado e aí todo mundo achava que o Renato tinha sido cortado por casa daquilo. Essa interpretação foi feita depois dos acontecimentos.

23) Como foi o Zico na “Era Collor”, no governo Collor?

Zico: Tranquilo, tranquilo, principalmente porque eu tive toda a liberdade, ninguém interferiu em nada, no meu trabalho, na minha Secretaria. Foi uma Secretaria nova que nós montamos, outra cabeça. Procuramos fazer aquilo que estava dentro do planejado e era possível. Ela era ligada ao MEC, ou seja, estava preso ao Ministério da Educação. Quando o Collor colocou a Secretaria ligada direto à Presidência da República, nós, lógico, pegamos algumas pessoas lá, uns servidores da área, que já estavam lá, mas a gente construiu uma nova Secretaria, uma nova mentalidade, nova posição e fizemos o trabalho dentro daquele cronograma que foi traçado pela Presidência. Agora, fizemos dentro daquilo que nós colocamos. O que é preciso, o que é necessário. Tudo o que a gente ia falar nas audiências era dito: "Ah! Tá bom!" Apresentamos modificação de Projeto de Lei e foi o que realmente aconteceu. Quando nós discutimos um Projeto e o Collor disse: ”Ah! Tá tudo bem, este tempo todo, a única área que entregou um projeto dentro daquilo que a gente quer, de mudança e tal, foram vocês...” Discutiram quase duas horas com a gente. Saímos de lá e quando ele olhou bem aquilo, aquilo afetava os caciques dele lá do Nordeste, principalmente as Federações. Então, ele ficou numa banana. ”O que é que eu vou fazer?” E aí começou a desistir de querer que a gente discutisse com a Assessoria da Presidência. E foi aí que eu me desliguei. Eu fiz uma carta de demissão, até ele me dar uma audiência, porque ele não queria dar mais audiência para mim. Eu falei: “Quando você puder me dar uma audiência...”. Fizemos uma carta, só eu e o Antônio sabíamos, entreguei para ele. Ele falou: “Você me dá um tempo para eu encaminhar este Projeto”. Ele encaminhou ao Congresso. Ele disse que eu não sairia dali sem que ele encaminhasse o Projeto. Encaminhamos e no dia seguinte que encaminhamos o Projeto, ele anunciou outro nome.

24) Zico, para finalizar, eu gostaria de saber sobre a sua carreira de Treinador. Você ficou muito decepcionado, principalmente com o tratamento que foi dado na Grécia. E a Imprensa diz que você recebeu sondagens e que você recebeu uma proposta da Juventus. Seu nome surgiu na Juventus, você não recebeu nada?

Zico: Não. Hoje é muito difícil saber com quem você está falando. Tem muita gente trabalhando. Você não sabe quem é quem. Os clubes não te procuram diretamente hoje. Tem sempre intermediário. Então tem aí, umas quatro pessoas falando em nome do clube. Quatro já me ofereceram uma Seleção, cinco me ofereceram na Arábia, seis já me ofereceram nos Emirados, você não sabe. Tem uma pessoa cuidando na Europa e outra aqui. É preocupante isso, né? Não existe mais aquela coisa direta, do cara da Juventus chegar aqui e perguntar: “Tu quer ser treinador da Juventus?” Eu não sei porque não acontece isso, porque tem que ter intermediário pra tudo.

25) E o que você quer fazer no futuro? Você quer continuar como treinador ou....

Zico: Se for uma coisa muito boa, eu vou, eu continuo. Eu estou vendo umas coisas para ficar por aqui. Umas novidades. Um novo caminho. Pode ser que eu fique.

26): Nós gostaríamos de te agradecer pela entrevista e a gente lá, no blogue, coloca uma partida inesquecível dos entrevistados. Que partida inesquecível você gostaria de deixar registrada?

Zico: Flamengo e Cobreloa